Tudo pronto para receber o ator |
Três horas antes do espectáculo, me posicionei ao fundo do auditório na expectativa de poder ver os bastidores da produção de um stand up. Apesar de já ter contato com o teatro há muito tempo, não tinha tido a oportunidade de conhecer a equipe de uma grande produção. Silenciosamente liguei meu notebook para ocupar meu tempo e fiquei observando o que acontecia a minha volta.
“Cultura é algo que vem de berço” já dizia o poeta. No Brasil por exemplo dá pra contar as pessoas que realmente tiram do seu tempo para apreciar uma produção artística. Ter interesse pelo teatro com a tecnologia que temos hoje é o mesmo que dizer que não precisaremos do jornal impresso porque afinal temos o mundo na palma da mão com apenas um click. Assim eu analiso o teatro, a arte em si. Ela vem de um movimento artístico, sua origem é do povo para o povo. É a voz da sociedade dividida em atos.
O teatro e o jornal impresso nunca ficaram velhos, eles sempre se renovam conforme o andar da sociedade. Apesar da beleza do cinema e da facilidade da internet, nenhum dos dois transmite a sensação da interpretação do ator no palco e do volver das páginas do jornal. E isso me ficou claro quando nos fundos do auditório notei duas zeladoras limpando o palco para a apresentação e seguiu a seguinte conversa:
-- O que vai ter hoje aqui?
-- Eu ouvi dizer que é uma apresentação do Diogo Portugal.
-- Quem é ele?
-- É um famoso. Tem um programa na TV.
-- Ahh! (surpresa) Aquele que já veio aqui uma vez?
-- Ele mesmo. Ele é engraçado!
Na mesma hora me indaguei como a comunicação humana é falha. As funcionárias não sabiam o que estava acontecendo no seu próprio local de trabalho. E era visível pela forma como falavam que seu grau de escolaridade não atingiu um nível superior ao ensino médio. E pra isso que existe a arte e o jornal o impresso, para levar à população a informação acessível ao bolso, com isso, causando transformação e indagação para criar um mundo em que as pessoas pensam pra tomar suas decisões e não apenas acatam o que os “superiores” dizem.
Depois de observar as duas senhoras, o auditório começou a ficar movimentado. Pessoas por todo o lado transitavam dando “pitacos” e instruções do que deveria ser feito para o momento do espetáculo. Os olhares direcionados a mim eram de curiosidade, eu me senti a Alice no País das Maravilhas: uma garota esquista que caiu num mundo estranho e as pessoas tentando descobrir quem eu era, sem ao menos dirigir a palavra a mim ou apenas. Apenas um indivíduo simpático me olhou e ensaiou um oi que mal foi transmitindo no tom da sua voz.
Mais alguns minutos de espera e três mosqueteiros chegam preparados para a batalha. Equipados com suporte para cenário, iluminação, maquiagem e figuro, os três colocaram se a postos e transformaram objetos indefiníveis a princípio, no belo cenário do espectáculo.
E atras do palco, onde tudo é transformado, a produtora Eloá estava ensinando a nova camareira com as funções que teria que desempenhar para auxiliar o ator Diogo Portugal a fazer a troca de roupas na hora do espectáculo.
-- É tudo muito rápido, tem que ter agilidade e o Diogo tem que estar pronto antes da música acabar. (pausa) Vamos rever sua lista.
A futura nova camareira ainda se perdia um pouco nos personagens e cada segundo era crucial para aderir informações que deveriam ser colocadas em prática a pouco menos de 2 horas. Pobre camareira! Seu primeiro dia no novo trabalho estava prestes a se transformar no dia de mais adrenalina de sua vida. E assim é a vida no teatro, agilidade e prontidão. As coisas acontecem em tempo real e precisam estar perfeitamente dispostas para se apresentar ao público.
Em meio a todo esse processo, vale ressaltar que telefones não paravam de
tocar. O técnico de som não conseguia ligar a mesa de som que era alugada de uma produtora de Cascavel e porventura o técnico não tinha noção de como funcionava.
O cara da luz subiu e desceu a escada não sei quantas vezes para ajustar a luz no ponto certo do palco para iluminar o ator e obedecer a marcação. Uma mesa precisou ser “achada” para compor o camarim improvisado do ator que se situa atrás do palco. Mais telefones tocando, pessoas falando, telefone tocando e eu observando e fotografando. Alô?
Uffa! A tempestade finalmente acalmou e o mar estava baixando a maré. Silêncio no recinto. Eu lentamente me levantei dando um passo de cada vez. Sentindo a areia nos meus pés e observando o campo desconhecido. Sorriso no rosto - Agora eu sou a Alice entrando no castelo da Rainha de Copas esperando ser bem vinda com o receio de mandarem cortar a minha cabeça.
Prontamente a produtora Eloá se dispõe a responder as perguntas da curiosa garota que é apaixonada pelo ambiente em que se encontra, mas acredita que essa realidade é apenas fruto da sua imaginação. A produtora me explica os desafios da profissão.
-- É necessário investir no estudo, acompanhar grandes produções e perceber como funciona o bastidor do teatro, de um set de filmagem. São grandes equipes para realizar bons trabalhos. E é preciso muita força de vontade para aprender um pouco de cada coisa e então desenvolver uma especialidade específica.
Fazer teatro não é escrever um roteiro e ensaiar atores, é muito mais que isso. Exige ensaio, estudos e mais estudos, e a equipe deve estar em sincronia com as vertentes que serão seguidas além de estar disposto a tirar boa parte do tempo para fazer análises e sempre melhorar o trabalho. São muitos meses preparando uma peça para que ela apresente o nível de profissionalismo e qualidade necessário.
A arte traz em todos os detalhes o seu princípio: causar a transformação. Muitos dizem que o belo nas artes cênicas é ver tudo pronto e experimentar a sensação do momento, mas pra mim, olhar e fazer parte da produção, é mágico. Conseguir visualizar cada etapa da produção e através do resultado poder fazer uma reflexão de como se deu esse processo, quais foram os erros e acertos e como o público recebeu isso tudo. E o trabalho então recomeça com o replanejamento e a expectativa do resultado. Tudo se recicla e nenhum espetáculo é igual ao outro.
Visão do ator quando está representando |
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